Alcest, Voyages e brisas do autor



Não é novidade nenhuma para o leitor assíduo do blog que nossa equipe é demasiado imparcial ao falar de metal atmosférico, mais especificamente de blackgaze – a mistura esquisita de shoegaze e black metal que surgiu ao final da década passada. Somos adoradores do estilo. E eu, depois de mais uma gigantesca ausência, estou aqui para seguir essa tradição de veneração, com tendenciosas opiniões acerca do novo álbum do Alcest, Les Voyages de L’Âme, e seus predecessores.

Para um crítico, ser desprovido da razão ao esquadrinhar alguma obra é pecado capital. Mas como manter-se impassível diante de trabalhos tão sublimes? Depois de dois grandes lançamentos, Neige, pseudônimo artístico do multi-instrumentista francês - agora acompanhado por músicos de turnê, e no estúdio por um baterista contratado –  responsável pelas melodias oníricas e etéreas da banda, manteve o altíssimo padrão de qualidade de suas composições em mais uma coleção de pequenas obras-primas.
Procuro compreender os trabalhos do músico como um grande mosaico. As grandes obras dos grandes mestres – sim, considero Neige um mestre, e aposto com vocês, o tempo vai se encarregar de dar-lhe essa reputação – não são individuais. São mais bem entendidas em paralelo com suas semelhantes, no caso, os álbuns anteriores. Vou me arriscar a uma análise sensorial, sentimental, quase simbolista destes – julguem-me piegas ou dramático, mas é impossível manter-se preso a julgamentos técnicos diante de algo de tamanho apelo emocional.

Se Souvenirs D’un Autre Monde foi a inocência, o refúgio reconfortante e a nostalgia infantil, Ecaillés de Luné foi o crescer e o duro choque com a realidade. Essa antítese é clara no tom dos discos: o primeiro é suave, leve e sonhador; o último é menos angelical, chega a ser duro e cinzento em alguns momentos, com seus blast-beats e guturais agressivos.

Cabe a Voyages ser a redenção – dourada, resplandecente, mas não ingênua – das crianças cândidas que cresceram, despertaram rispidamente e agora desfrutam de um paraíso particular, constituído de plenitude e aceitação.



Sans nous attendre tant de saisons ont passé;
Les feuilles dorées s’en allant mourir à terre
Renaîtront un jour sous un ciel radieux,
Mais notre monde érodé restera le même
Et demain toi et moi serons partis. 
“Sem que percebêssemos, as estações se passaram. As folhas douradas morrem na terra. Renascerão algum dia em um céu radiante. Mas esse mundo erodido permanecerá o mesmo, e amanhã eu e você já teremos partido.” Essa tradução grosseira de parte da letra da faixa de abertura mostra a aura que envolve o álbum todo.

Souvenirs, Ecailles e Voyages, se encarados como trilogia, representam a vida. Infância ingênua, juventude tempestuosa e velhice madura. Pelo menos foi essa a opinião que formei, após uma madrugada dedicada a ouvir os três em sequencia. Posso estar delirando, – e essa é a principal qualidade da música do Alcest, fazer viajar, proporcionar escapismo sem igual – vocês podem tirar outras conclusões, discordar de mim. E essa virtude, essa capacidade de fazer pensar e proporcionar experiências diferentes, fomentar visões distintas, só reforça a grandeza da música, arte da qual, reafirmo, Neige é um mestre.

Por Rodrigo Menegat
Alcest, Voyages e brisas do autor Alcest, Voyages e brisas do autor Reviewed by Alexandre on 17:08 Rating: 5

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